Quem trabalha com comunicação e branding digital não pode deixar de ler “Cenário de Caos”, de Bob Garfield, um petardo muito bem escrito que decreta a morte da publicidade e das marcas como as conhecemos até hoje.
O ataque é forte, recheado de dados, e a sua narrativa, muito bem amarrada e envolvente. Por pouco a gente não se distrai e deixa de ver furos importantes em algumas das suas premissas.
Uma delas ignora por completo a essência da marca pós-moderna. Vejam só esta passagem do livro:
“As marcas servem como substitutas da informação. [Oferecem] ao consumidor uma garantia mínima de qualidade, confiabilidade e distribuição. É claro que a marca tem outras funções – em termos de valores, status e personalidade. Mas a função mais básica será usurpada pela informação prontamente oferecida mediante um clique do mouse ou uma leitura de código de barras numa loja” (p. 51).
Pois bem, o que ele considera secundário, ou seja, as “outras funções” da marca, é justamente o principal. Talvez Garfield sofra de miopia de branding e não consiga ver que as marcas mais valiosas são poderosas justamente por representarem valores utópicos, identidades e estilos de vida. Basta alguns exemplos para nos lembrarmos de vários casos do tipo: Apple, Nike, All Star, Havaianas, etc.
Essas marcas vão muito além da dimensão prática e funcional do consumo. Elas sabem se mexer muito bem no quadro das estratégias semióticas de posicionamento.
Além disso, há outro problema no argumento de Bob Garfield: não é tão certo que a tal “função mais básica” da marca será usurpada por outros mecanismos, entre eles a “eficiente filtragem” promovida pelas redes sociais unida aos sites agregadores que selecionam conteúdo, elemento celebrado pelo autor.
Acontece que, para ser mais eficiente, a “filtragem social” recorre muitas vezes ao reconhecimento de marca. Em outras palavras, a marca mais conhecida tende a engajar mais e a ter mais participação no buzz das redes sociais. Basta ver o ranking facebook br, onde as grandes marcas dominam a lista.
Por que isso acontece? A oferta quase infinita de conteúdo digital sobrecarrega a atenção das pessoas. Para lidar com a poluição midiática, elas apelam então para atalhos semióticos, que lhes permitem chegar mais rapidamente e com um mínimo de angústia até um conteúdo qualificado e confiável.
Obviamente, são essas mesmas grandes marcas as que mais investem em mídia no Facebook. E sim, ao contrário do que “Cenário de Caos” sugere, há alguns tipos de anúncio que funcionam muito bem nessa rede social, obtendo taxas consideráveis de engajamento.
No que se refere à produção de conteúdo e ao desenvolvimento de serviços digitais, o poder financeiro das grandes marcas também pode fazer a diferença: elas tem a grana necessária para contratar os melhores talentos e dispor da melhor tecnologia.
Aliás, o próprio Bob Garfiel se contradiz nesse ponto ao citar o sucesso do site da American Express: “milhões de pessoas visitam-no todos os dias” (p. 50). Graças ao que? Ao fato de que as pessoas estão buscando a sua marca favorita, uma marca reconhecida há muito tempo como referência de qualidade, segurança e certo status no mercado de cartões de créditos.
Colaboração de:
Héber Sales
Héber Sales é profissional de marketing especializado em branding, com passagem em empresas como Rede IGASE de Hospitais, Golden Cross e Cigna International. Em 2008, criou a QuantaGente, agência de comunicação especializada em branding digital.